Primeira Segunda de Maio (03 de maio) - Tema: Rumo à Terra Sem Mal
Fundado em 2002 e realizado sempre na primeira segunda-feira de maio, o Dia do Nada é um evento de caráter filosófico, antropológico, sociológico, científico, religioso e artístico, que atravessa todas estas áreas do conhecimento humano para, absolutamente, nada ser, uma vez que ele está sempre se modificando pela interpretação que cada um faz dele. Seu próprio nome já diz tudo e qualquer apropriação do Dia do Nada só pode existir de maneira crítica, sem preocupação comercial ou de interesses privados. Seu investimento se dá, portanto, naquilo que o filósofo grego Epicuro já pregava, seis séculos antes de Cristo, de que a felicidade depende da liberdade, da amizade e de tempo para meditar.
O Dia do Nada não é contra o trabalho. Ele é contra a exploração da mais-valia, da força de trabalho empregada em trabalhos desprazerosos, mecânicos, nefastos à saúde do trabalhador e ao ambiente. Ele é a favor do prazer em fazer, do compartilhamento produtivo e da busca de consensos, respeitando diferenças. Por isso, não se trata de não fazer nada, mas de FAZER NADA, o que é muito diferente uma coisa da outra. Na verdade, esse é um tema que coloca a lógica ocidental em suspensão, levando-nos a refletir sobre dimensões que normalmente não nos ocupamos, embora convivam cotidianamente conosco.
Algumas culturas aceitam a idéia do nada e do vazio como condição para a própria percepção da existência da consciência, como acontece no Oriente. Em Bali, na Indonésia, há um dia sagrado no ano em que ninguém sai às ruas. É assim, também, com o povo Maia, onde um dia por ano é descartado, corrigindo, assim, uma diferença entre o movimento dos astros e a marcação dos dias no calendário. Também na arte e na filosofia a idéia do Nada vem sendo explorada de maneira bastante criativa desde Nietzsche e Baudelaire, passando pelo existencialismo e pelo dadaísmo, entre outros movimentos culturais. Nesses 8 anos de evento, várias ações foram realizadas em Londrina, Foz do Iguaçu, Curitiba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Macapá, Recife, Belém e outras cidades mais, como Austin, no Texas, com ações de intervenção urbana ousadas e criativas, compartilhadas com outros artistas e pessoas.
Nesse sentido, há uma rede de conexões que passa não só por lugares físicos, mas, também, dentro do espaço da tv, do jornal, rádio e da web, como pode ser visto, mais detalhadamente, no blog do dia do nada (http://nothingday.blogspot.com/). Nesse ano, o Dia do Nada acontecerá no dia 03 de maio, com eventos programados para acontecer em várias cidades do país, além de Londrina e do Rio de Janeiro.
O tema para o Dia do Nada desse ano é: Dia do Nada 2010: Rumo à terra sem mal! A terra sem mal vem de um mito dos índios tupi-guaranis pesquisado pela antropóloga Helène Clastres e que se tornou um livro. A autora conta que esses indígenas tinham uma profecia que era a de encontrar um equivalente ao paraíso dos cristãos, só que na própria terra, durante a vida. Daí saiam do local que hoje é Paraguay, Rio Paraná e parte da região sul do Brasil e partiam para o leste e para o norte, povoando o que veio a ser chamado de Brasil. Desses povos nasceram os Tamoios, Tupinambás, Aimorés e outras nações que foram dizimadas ou aniquiladas culturalmente, mas que estão em profunda ressonância com o que somos hoje. Afinal, a união entre eles e os portugueses, holandeses ou franceses definiu muito do mapa e da nossa cultura.
Quando chegaram os padres com a história de que o Paraíso era no céu, aquilo não só causou profundo assombro dentro das tribos, mas ajudou os caciques, em um primeiro momento, a não perderem mais membros de sua tribo para os Caraís, espécie de profetas que levavam os povos a essas aventuras, dançando e cantando pelas florestas. Esses Caraís falavam por metáforas e de forma cantada, que era a linguagem que os deuses os tinham ensinado. E possuíam poderes de cura, como os xamãs, como os pajés da tribo.
Voltando ao Dia do Nada, a idéia é a de pensar uma relação paralela entre os mitos da Terra sem Mal e a utopia de uma terra onde as máquinas trabalhem sozinhas sem que os homens precisem fazer força, que as mulheres possam escolher seus homens e que o inimigo possa ser abraçado como nosso irmão (ver o pensamento selvagem de Levy-Strauss, para quem, mais do que saborear a carne do inimigo, o guerreiro capturado servia como banco de esperma da tribo, para evitar eugenia. Ah, e Cartola, claro, falando da Mangueira).
Assim, provoco, invoco e convoco a todos a criarmos ações a favor do prazer de viver e da criatividade, driblando a neurose da ganância e da obrigatoriedade de se fazer coisas chatas. Peço, também, a gentileza de mandarem fotos, registros e testemunhos dessas ações para adicioná-las à nossa coleção de feitos sobre o Nada. Afinal, como já disse um apresentador de TV do norte do Paraná,"o nada é tudo. E tudo, é nada". Passo, também, uma pequena lista de coisas que venho pensando para 2010, entre outras, que cada um pode criar, modificar ou recriar, adicionando mais invenção a esse nada. Que tal?
Performance "Sexto Sentido", Londrina, 2005.