O Projeto Experiência está de volta e, nesta edição, o fazer artístico sob o ponto de vista de seus aspectos filosóficos é o tema que será desenvolvido com estudantes de arte, em um curso mediado por Paula Braga. Itaú Cultural | Avenida Paulista 149 - Paraíso - São Paulo SP [próximo à estação Brigadeiro do Metrô] |
quarta-feira, 15 de junho de 2011
PROJETO EXPERIÊNCIA - ITAÚ CULTURAL - INSCRIÇÕES ABERTAS PARA ESTUDANTES
terça-feira, 7 de junho de 2011
COMO AQUECER O CORAÇÃO COM UM CAPITÃO E UMA SEREIA...
Para aquecer o coração não basta a boa sensação de proteção ou ter consciência de algo pleno ou um amor correspondido. Para aquecer o coração é necessário estar aberto a todas as incertezas porque são delas que vem o movimento verdadeiro de olhar para dentro e ver as chamas se formarem. Para aquecer o coração é preciso entregar-se na imaginação e este encontro só é permitido aos aventureiros e libertários.
É justamente com base na aventura de efervescer a imaginação que o Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare convida a todos, logo no início, a depreender-se da matéria e entrar no recinto sentindo os ventos, a maresia, as terras distantes e o canto dos mares e dos personagens, ou seja, embarcando na imaginação! É nesse barco que somos convidados a viajar. Assim é O Capitão e a Sereia, texto baseado na obra homônima de André Neves. Um encantamento de detalhes do começo ao fim.
A adaptação tem muitas questões dignas de aplausos. Usa de inúmeros recursos para estabelecer o diálogo entre a fábula original e várias questões contemporâneas, entre elas as relações de conflito; quem somos e quem seremos; entre a solidão e o amor, entre o individual e o coletivo; entre encontrar seu objetivo ou se perder nele. A peça é uma grande metáfora para os sonhos, a amizade e as escolhas possíveis e se vale de forma brilhante dos aspectos visuais. Parabéns ao próprio André Neves que indicou um caminho possível através das suas belíssimas ilustrações do livro.
É de estremecer o coração o figurino costurado de idéias, emoções, texturas mil, sugestões, sobreposições, costurados de indícios do texto e objetos que vão além da simples utilização como elemento cênico ou de figurino. Isso sem falar da grandiosidade da música, dos instrumentos utilizados, das toadas, cantos e sons presentes a todo o momento. Tudo é milimetricamente pensado e isso ajuda a construir e até mesmo desconstruir cada personagem com uma sintonia afiada, além de congregar todos os nossos sentidos porque por trás disso tudo tem atores maravilhosos.
A riqueza dos detalhes está presente em toda parte. Poderíamos sugerir que são materiais reciclados, precários, simples, mas não é nada disso. É a pura arte. Não valeria de nada um falso pórtico de madeira no lugar dos excelentes garrafões d’água vazios (e cheios de luz) que se pensarmos bem, cria de forma estática uma relação direta entre a sua natureza e um dos elementos principais que permeiam a peça, ou seja, a água. É nessa construção múltipla de sentidos que cada um pode realmente adentrar o universo do sonho, da magia.
Um simples giz na mão do ator dá vida a novas possibilidades de construção que são esmiuçadas com inteligência e criatividade. Isso é fantástico, como também uma teia complexa de deslocamentos geográficos e marítmicos que são resolvidos habilmente! E de repente vemos a capacidade de atuar apenas com a gesticulação da boca e de uma mão, dando vida a um peixe e uma tartaruga cativantes. Isso sem falar na simples manipulação que traz à tona o Capitão. Isso é técnica, mas também é um excelente trabalho e estudo de corpo e atuação de Camille Carvalho, César Ferrario, Renata Kaiser e Marco França. Excelente trabalho de um grupo inteiro que vai da costureira Fátima Brilhante ao diretor Fernando Yamamoto.
E olhando o mundo - literalmente disposto a nossa frente num grande mapa cheio de pequenas e grandes referências metafóricas (lá estão monstros, aborígenes, aventureiros; vulcões, o próprio Shakeaspeare - que homenagem linda! - um farol que indica os vários caminhos que se apresentarão para cada um da platéia e vários lugares excepcionalmente descritos na fala dos personagens) que nos encontramos por dentro. Bussolas de nós mesmos.
Falando em luz, parabéns ao iluminador Ronaldo Costa que a transforma em um material essencial a peça, e não só a luz, como a escuridão. É nesse jogo de contrastes em palavras, sons, música, gestos, olhares, detalhes cênicos e de figurino e em uma relação direta com o público que o grupo vai mais uma vez definindo uma linguagem e linhagem única aplaudida em todo o território, eternizando sua presença na história do teatro potiguar e nacional.
É no ato de abrir os olhos nos olhos do outro, ‘frente a frente’ aos atores, que vemos o que é ir além da técnica, do brilho, da alegria, do choro. É perceber a verdade de cada um sendo emprestada aos personagens. Fiquei imaginando milhares de coisas ao vê-los em cena. Como foi esse conflito? Como resolveram essas questões como grupo? Como chegar nesse resultado estético? E a resposta não é outra senão dedicação, dedicação, dedicação e muito trabalho. Aí, lembrei que por volta de setembro de 2009, quando o poeta Carlos Gurgel fez a primeira edição do 3 Vozes Poesia, (no qual tive alegria de participar com muito orgulho - no espaço anterior do Barracão do Clowns que ficava ali próximo do Shopping Midway) que eu pude ver os Clowns já se preparando para o Capitão e a Sereia. Lembro de ver a confecção do chapéu da tartaruga, de ver alguns materiais cênicos em pesquisa e vê-los estudando e encenando.
Isso me tomou de orgulho! Quanto crescimento e amadurecimento esses atores e o grupo inteiro passou e nos presenteiam agora, a todos nós potiguares, nordestinos e brasileiros com uma arte que não é fácil; com um trabalho no qual nem de longe imaginamos as dificuldades, as barreiras e os conflitos para exibir um sólido resultado patrocinado pela Petrobrás e logrando sonhos e prêmios em uma carreira bem sucedida.
Ao final da peça, cada personagem – em um ato carregado de simbolismo relata sua versão dos fatos e tira seu chapéu. Aqui, tiro eu o meu chapéu carregado de idéias, palavras e emoções e o entrego em deferência e homenagem a este grupo inteiro.
Às vezes, a realidade tenta nos convencer que a frieza do mundo é forte o suficiente para nos derrubar, mas a arte é a prova viva de que a imaginação supera a dor da realidade.
O Grupo Clowns de Shakespeare está disposto a provar que o verdadeiro encantamento está disponível a todos os que se dispuserem abrir o coração. Eles são a verdade da “Trupe tropega, mas não escorrega”, porque nesse caminho escorregar é muito fácil, difícil mesmo é conseguir aquecer o coração de tanta gente como eles fazem!
Jean Sartief
Em tempo - o grupo seguirá de Natal para percorrer a segunda etapa de se apresentar em outros estados do Nordeste norteando novos e antigos mares em que um Capitão, uma Sereia, seus marujos, amigos, seres encantados e toda uma equipe de trabalho fazem plena diferença no meio de tanta coisa forjada e consumada como arte.
Aqui segue a programação da peça em Aracaju, Maceió e Penedo
08 e 09 (espaço Rua da Cultura) em Aracaju;
11 e 12(teatro do SESI) em Maceió e dia 14 de junho (auditório do SINDPEN) em Penedo/AL.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
SOBRE A QUESTÃO DO BEIJO GAY NA FESTA EM NATAL/RN
Há muito preconceito nesses horizontes camuflados em Natal. Lendo comentários em alguns blogs é engraçado ver como muitos se antecipam com justificativas – não sou preconceituoso ou homofóbico e em seguida vem com lógicas incoerentes e preconceituosas. São sim, muito preconceituosas. Infelizmente são pessoas que se travestem em uma fala sutil citando Deus ou crianças, mas de alto teor opressivo. O tempo contemporâneo será cada vez mais por uma luta de espaços iguais e redefinição de valores e conceitos.
Os heteros, a igreja, e todos os ditos valores morais sempre incutiram formas de opressão de todos os tipos e que fazem muitos acreditarem que seu universo é a sua zona de conforto ou disseminam uma idéia de exclusão... ‘Eles não podem fazer isso! Imagina!"... quem não lembra dos loucos que queriam exterminar um povo inteiro? 'Vamos criar um povo puro!' Já vimos essa história e a vemos a todo instante nos gays mortos com requintes de crueldade.
Há séculos, índios, negros, mulheres, nordestinos, portadores de deficiência, gays e tantos outros são forçados a acreditar numa inferioridade que não existe, assim como não existe lugar propício para um beijo gay. Todo lugar é lugar para um beijo gay. Todos temos direito a plenitude, mas alguns não querem abrir mão disso para os outros.
Não se iludam com essa questão de que as crianças estão sendo desrespeitadas. Não estão. Esse é o discurso de pais preconceitusosos, não o delas. Essas mesmas crianças vão lidar com amigos(as), colegas de trabalho, chefes, políticos, médicos gays. Essa resistência para aceitar algo que é comum e normal é ridícula.
O fato é que o beijo do casal incomodou alguém a ponto deste, possivelmente, ir reclamar com o cerimonialista e este, por sua vez, acatar um ponto de vista machista e hoje, já é constatado que toda sociedade machista é mais violenta. E a violência é manifestada de diversas formas, inclusive nesse senso errôneo e opressivo de achar que alguns têm o direito de se sentir ‘ofendidos’ e determinar regras para as minorias seja por causa de um selinho, beijo ou beijaço.
Pois bem, a discriminação e o preconceito também ofendem. Se alguém se sente ofendido por um beijo homo, então podemos nos sentir ofendidos por um beijo hetero. Sentir ofendidos, até podemos, mas não podemos limitar a liberdade de ação de cada um ou restringi-la, desde que não seja risco de vida a si ou a outros – o que não foi o caso do beijo. Queria muito ouvir a dona da festa sobre tudo isso que não tem nada a ver com o acontecido, afinal, pelo o que se consta, não foi ela quem reclamou do beijo.
Essa concepção judaico-cristã de moral ou ‘verdades implícitas’, com um Deus repressor, para mim é completamente errônea, mas as pessoas adoram se sentir aprisionadas a ignorância. São pessoas que adoram posar belos nas fotos das colunas e falar mal de todos por trás. Estas pessoas, em geral, são sexistas, etnocêntricas e homofóbicas. Entenda homofobia não somente como violência, mas um conjunto de sentimentos (aversão, raiva, ódio, desprezo, medo, desconfiança, olhar torto, desconforto, ódio, bullying etc) tão fáceis de identificar em muitos gestos e comentários por aí.
Até entendo que alguns não saibam lidar com a diferença, com a mudança da sociedade... mas a sua inabilidade em não saber lidar com isso, não vai parar a mudança na sociedade. Os direitos e deveres evoluem, esta aí o Supremo para dizer isso a todos os brasileiros e a construção de um mundo melhor, com gentileza que gera gentileza, passa fundalmentalmente pela recusa a intolerância porque por trás dessa dita moral existe uma relação de poder.
Ano passado, dei um beijo maravilhoso, longo, demorado, caliente na festa de aniversário de Cida e foi um beijo gay e ninguém influenciado por uma dita moral absolutista veio dizer "Ei, você está constrangindo fulano... Ei, aqui isso não pode!". Cida e Riccard8 sabem respeitar a diversidade, o amor, a verdade que cada um escreve do seu jeito, da sua forma, numa constante evolução e amadurecimento. A pessoa quem eu beijei é alguém que admiro muito, que gosto bastante, mas não era meu namorado, infelizmente. Beijei porque queria beijar e queríamos há muito nos beijarmos... há muito tempo, diferente até do casal da festa, há muitos anos juntos, numa relação estável. Não houve momento errado. Não houve lugar errado. Houve o amor aflorando naquele momento eu por ele e ele por mim e o mesmo aconteceu entre o casal da festa.
Essa humanidade e amor ao próximo de Cida e Riccard8 San Martini são inigualáveis e destoa totalmente dessa 'alta sociedade natalense' hipócrita, machista e preconceituosa composta por alguns que são domesticados a acreditar em consumismo, mídia e 'status' que somente os preenche de vazios substanciais na vida. Vazios tão intensos que os impedem de pensar com amor no coração e então, elas passam a querer impor regras e negações a todos porque não conseguem aceitar que muitos vivem bem seus caminhos diferenciados, com sua liberdade, com a descoberta de encontrar novas possibilidades para a vida livre de grilhões tão antigos quanto estes.
Um dos erros primordiais de tudo isso foi querer impor uma verdade e uma única visão a dois convidados. Não, meus queridos, não eram apenas dois convidados, foram milhões de convidados representados naqueles dois homens que se beijavam e todos nós já estamos cansados dessa opressão e desse discurso fundamentalista que eles estavam exagerando...
É por causa dessa mesma opressão que mulheres de todo o mundo têm ido às ruas para defender que não importa a forma como elas se vestem. Elas têm que ser respeitadas da mesma maneira. Não é porque estão vestidas da forma que querem que elas 'estavam pedindo' para serem violentadas. É essa mesma opressão que faz com que milhões de gays reunam-se nas paradas para fazer valer sua identidade, seus direitos e sua presença no mundo. É por essa mesma opressão que se luta contra a violência em todas as suas formas.
Haverá um dia, que vamos respeitar a diferença sem nos sentirmos ofendidos e entendermos que o amor se manifesta de inúmeras maneiras e que o seu não é melhor que o meu, mas que todos tem direito a expressá-lo da forma que quisermos.